Saúde intestinal
"Constantemente inchada e obstipada!! O que vou fazer? Já como tantos legumes!" - Uma das dúvidas que me é colocada com maior frequência está relacionada com que tipo de alimentos estão relacionados com a obstipação e o porquê de se sentirem inchadas.
O microbioma intestinal é um conjunto de microrganismos que habitam o nosso trato gastrointestinal. É individual, quase como se fosse uma impressão digital.
O nosso intestino é povoado por milhares de bactérias (flora comensal) necessárias ao bom funcionamento do mesmo. Seria impensável existirmos sem bactérias! Ainda mesmo in utero, somos colonizados por bactérias. O nosso próprio património genético poderá influenciar a expressão dos alimentos na nossa saúde e bem-estar. Já imaginaram?
Outros factores como o tipo de parto e o tipo de alimentação que fizemos nos primeiros momentos de vida são também determinantes no microbioma intestinal. Como podemos pensar que a nutrição não é importante e que “calorias são apenas calorias”? A nutrição é importante até para o Ser que ainda está por nascer.
O microbioma intestinal é influenciado pelos nossos estilos de vida. Desde factores psicológicos, a patologias previamente existentes, ao ambiente que nos rodeia, o stress a que estamos sujeitos e, obviamente, o nosso estilo de alimentação que determina a composição do microbioma. Para além disso, o intestino é o órgão com mais receptores ligados ao cérebro, portanto, “sente” muito as nossas emoções, reagindo de diversos modos complexos.
“Tudo bem, Carol mas... e em relação à obstipação e inchaço abdominal que sinto frequentemente? O que faço?”
Agora que está percebido que a nossa alimentação tem papel FUNDAMENTAL, posso assim afirmar algo – TU és responsável por promoveres hábitos saudáveis.
SÓ TU PODES SABER O QUE MELHOR FUNCIONA CONTIGO! O microbioma intestinal é único! As situações que vivemos apenas dizem respeito à nossa vida e ao modo como lidamos com a mesma! Impossível querer que outra pessoa possa dar uma resposta certa para algo que é “nosso”.
“Oh bolas... esperava uma resposta mais... concreta.”
Como tudo na vida, a excepção faz a regra. Mas mais do que isso, a ciência cria regras e tão depressa as destrói, tem isto em mente!
Começo então com a crença de que “quanto mais fibra, melhor”, especialmente quando já se problemas com a regularidade intestinal.
Todos dizem que é fibra é saudável mas porquê? O que é isso da fibra?
A fibra é um nutriente fundamental à dieta que providencia um microbioma intestinal com maior diversidade. Nem vou referir as mil e uma vantagens que lhe estão associadas porque isso está espalhado por todo o lado. O que não é dito é que fibra a mais PODE ser o teu problema! Muito provavelmente é... Não podendo fazer diagnósticos, diria que 97% das pessoas que me pedem conselhos, são “diagnosticadas” por mim com “excesso de fibra”.
Para não fazermos as coisas por “imitação”, devemos tentar perceber minimamente o porquê de acontecer. Não queres ser quem diz que “muita fibra é bom” só porque é isso que nos é culturalmente - passo a expressão para “pelo o que nos é bombardeado pelo marketing” - ensinado como correcto e saudável, certo?
A fibra é constituída por polímeros de HC, sendo resistente à acção das enzimas digestivas. Pode ser solúvel e insolúvel. A maioria das pessoas sabe isso, mas não entende qual o seu efeito no organismo.
A fibra solúvel é fermentada pelo no cólon, produzindo diversas substâncias (que não vou enunciar, senão... Olá, ainda estás acordada?) benéficas à nossa saúde intestinal. Apresenta uma propriedade importante relacionada com a viscosidade – quando em contacto com a água presente no organismo, aumenta o seu volume. Daí se dizer que fibra solúvel aumenta a saciedade, retarda o esvaziamento gástrico e aumenta o bloco fecal (palavra pomposa para fezes). Está presente em diversos legumes, em alguns cereais (ex: aveia, cevada centeio), em alguns tipos de pectinas (polpa da fruta), gomas (ex: goma guar, psyllium husk) e mucilagem. Já a fibra insolúvel, tal como o nome indica, não tem afinidade com a água e a sua fermentação é muito limitada. Entra e saí, aumentando o bloco fecal e a velocidade do trânsito intestinal. É exemplo a celulose e alguns tipos de hemicelulose, encontra-se também muito associada a alimentos que têm fibra solúvel na sua composição, desde cereais integrais, farelos e derivados, sementes, casca das frutas, leguminosas e basicamente quase todos os legumes.
A fibra é importante para a prevenção de situações de obstipação, bem como para a manutenção da saúde dos nos intestinos! Os seus benefícios estão associados à ingestão de líquidos. Quando a ingestão de líquidos é desadequada, o efeito da fibra pode ser negativo. Para prevenção da obstipação, o AUMENTO da fibra deve ser GRADUAL, uma vez que podem ocorrer efeitos como a flatulência, cãimbras abdominais ou diarreia.
Cada intestino trabalha NO SEU RITMO, sendo o ideal haver uma dejecção por dia ou, pelo menos, em dias alternados. Mas, e em caso de já haver uma situação de obstipação?
(NOTA: Não estou a especificar em casos de PATOLOGIA conhecida)
A obstipação é bastante desconfortável e "desesperante". Pode ser acompanhada por falta de apetite, distenção e desconforto abdominal e, quando prolongada, pode causar náuseas, vómitos, desequilíbrios electrolíticos e formação de fezes duras e secas que causam dor.
Nestas situações, deve haver uma consciencialização que aumentar a quantidade de fibra não é benéfico. Porquê? Uma vez que a fibra vai aumentar ainda mais o bloco fecal, pode agravar a obstipação, em especial se as fezes já estiverem secas, causando um “empacotamento” intestinal. Imaginemos a situação em que estamos no trânsito e há muitos carros mas que não andam. Faz sentido colocar ainda mais carros?
E é aqui a maioria das pessoas pensa que mais fibra irá melhorar o trânsito intestinal, pois é suposto ser essa a sua função. De facto, a maioria das pessoas que até tem obstipação, muito provavelmente já faz uma alimentação rica em fibra. Certo? Eu oiço sempre “eu já como tantos legumes!!”. Provavelmente não será essa a solução... desconfiooooo!
A fisiologia por detrás da dor abdominal é complexa. Alguns componentes/ingredientes podem levar ao aumento da sensibilidade visceral.
Segundo evidência científica recente (2017), quando já existe irritação intestinal, o aumento do consumo de água e chás, está associado a um aumento do risco de dor abdominal, no entanto, o consumo de cafeína diminui o risco de inchaço e dor abdominal. Relativamente a produtos com lactose, a diminuição do seu consumo não se mostra benéfico quando não existe intolerância. Está também demonstrado que em Pessoas com a síndrome do intestino irritável, o tipo de fibra consumido é muito importante e tem impacto nos sintomas de forma diferente.
A fibra solúvel demonstrou efeitos positivos, já para a fibra insolúvel, esta não demonstrou melhor eficácia, em comparação com placebo (mantem-se controverso, muito devido a uma grande VARIABILIDADE pessoal). Contudo, em situações mais agudas, em que há predominância de sintomas como a dor abdominal ou obstipação, o aumento de fibra não é aconselhado, podendo mesmo agravar a sintomatologia.
Para os casos de obstipação (com patologia associada, ou não), tem vindo a ser demonstrado que é benéfico REDUZIR alimentos com elevado teor fibra, que causem flatulência e irritação da muscosa intestinal. Os mais conhecidos são os legumes crus e produtos hortículas como as couves, couve-flor, bróculos, talos, leguminosas, alho, cebolas, arroz/massa integral. É de evitar também alimentos muito processados e com elevado teor de açúcar (ex: bebidas açucaradas ou elevados teores de frutose), bem como alimentos ácidos (ex: laranja ou o limão).
A realização de exercício físico de forma regular também ajuda pois com o movimento, há um aumento do peristaltismo.
Info: Adoçantes e alimentos que contenham adoçantes na sua composição, podem alterar a nossa microbiota e, consequentemente, o impacto dos alimentos e da sua digestão.
A TER EM CONTA:
- Não há resposta certa porque muitos dos mecanismos associados a problemas intestinais são muito difíceis de entender e de diagnosticar.
- Entender que cada corpo reage de modo diferente aos alimentos e que existem alguns alimentos que sabemos que somos mais susceptíveis e que causam irritação no NOSSO organismo... Evitem! (parece óbvio e no entanto...)
- Diminuir a quantidade de fibra que ingerem porque “mais” não é melhor!
- Manter uma adequada e não exagerada! ingestão de líquidos, especialmente frios pois estimulam o trato gastrointestinal.
- Procurar uma rotina que inclua exercício físico (nem que seja uma caminhada) para colocar os intestinos em movimento
- Para mim, a MAIS IMPORTATE: Sendo que o intestino é um órgão muito sensível, o stress que a situação de obstipação nos causa pode mesmo agravar a própria obstipação! É um ciclo! Situações de stress e ansiedade têm impacto na saúde gastrointestinal. Apesar de parecer difícil, tentem RELAXAR!
Parece tão simples e, no entanto, muitas vezes não aplicamos a dica mais simples de todas!
Esperavas algo milagroso? Infelizmente, não existem milagres para nada.
Não é possível dar-te uma resposta certa quando a própria ciência ainda não a encontrou. Existem apenas diversas estratégias que podemos aplicar, contudo, há uma enorme variabilidade inter-pessoal. Provavelmente, o nosso maior desafio será perceber que somos seres únicos, com um património genético individual que poderá ser influenciado e influenciar a alimentação. Em situações de maior susceptibilidade, seja por alguma patologia ou por factores externos a nós (altura de maior stress), devemos estar mais conscientes dos sinais que o nosso intestino nos dá. Isto dito por quem experiencia na primeira pele a síndrome do cólon irritável.
TU ÉS ÚNICA! Não queiras uma resposta uniformizada!
Beires, IVPS (2017). Relação entre o microbioma intestinal e a patologia. Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação. Universidade do Porto
Fathallah N, Bouchard D, de Parades V (2017). Les règles hygiéno-diétiques dans la constipation chronique de l’adulte: du fantasme à la réalité... Presse Med. 2017 Jan;46(1):23-30. DOI: 10.1016/j.lpm.2016.03.019
Moding M, Ohlsson B (2017). The role of fermentable carbohydrates and beverages in the symptomatology of functional gastrointestinal disease. Scand J Gastroenterol. 2017 Nov;52(11):1224-1234. DOI: 10.1080/00365521.2017.1365931.
Bijkerk CJ, Muris JQM, Knottnerus JA, Hoes AW, De Wit NJ.(2004). Systematic review: the role of different types of fibre in the treatment of irritable bowel syndrome. Blackwell Publishing Ltd, Aliment Pharmacol Ther 2004; 19: 245–251. DOI: 10.1111/j.0269-2813.2004.01862.x